domingo, 4 de abril de 2010

LEX TALIONIS: Vingança como Justiça


A ideia de justiça e vingança sempre esteve arraigada no pensamento do homem, seja nos primórdios da civilização ou na própria contemporaneidade. Segundo o dicionário, Justiça “é a virtude de dar a cada um aquilo que é seu, é a faculdade de julgar segundo o direito de melhor consciência” e Vingança, por sua vez, “é a atitude de quem se sente ofendido ou lesado por outrem e efetua contra ele uma ação mais ou menos equivalente; é castigar , punir, tirar desforra da ofensa.”


A partir dessas duas concepções podemos perceber que é muito tênue a linha que separa vingança de justiça. Afinal, são elas ideias contrárias ou complementares? Dar a cada um aquilo que é seu remete a ideia de justiça, mas por que não também à de vingança? Quando alguém se vê ofendido e efetua contra o seu agressor uma ação mais ou menos equivalente, não seria uma forma de aplicar a justiça?


Antigamente o homem pautava-se pela Lei de Talião, “olho por olho, dente por dente”, ou seja, o mal era pago com um mal proporcional. Vê-se que, sob esse ponto de vista, vingança coincidiria com justiça desde que ministrada proporcionalmente à medida da ofensa vingada. Hoje, como podemos perceber na nossa realidade social, a essência é a mesma, continua-se pagando o mal com um outro mal, o que mudou foi a denominação para este ato. Antes fazia-se vingança e hoje se faz justiça. Portanto, podemos inferir que talvez justiça seja uma palavra mais “civilizada” para designar vingança, já que após as revoluções surge um forte movimento humanitário que prima por salvaguardar o ser humano. Dentro deste novo contexto não cabe mais falar em retribuição, em vingança. A pena de prisão tem um caráter integrador e de prevenção social, uma vez que a nova concepção de civilidade e ser humano rechaça a ideia de vingança tradicional.


O mundo moderno, que dá primazia para a Dignidade da Pessoa Humana, não se coaduna com a vingança, com a retribuição do mal. Porém, isso não significa que a vingança não mais exista; muito pelo contrário, ela existe, só que de forma mascarada. Quando pensamos em vingança, nos vem logo à mente o ato de “fazer justiça com as próprias mãos”, e quando pensamos em justiça, temos a impressão de que é algo legalizado, porque é realizado pelo Estado. Mas exercer a justiça através do Estado a torna justa? Não seria um meio de exercer a vingança de forma legalizada, de modo que não ofendesse os valores morais de uma sociedade pautada em estereótipos?


Na sociedade, há a compreensão de que um homem que faz justiça não suja as mãos com o sangue do inimigo. Mas o Estado, quando aplica uma pena privativa de liberdade, em cadeias superlotadas, imundas e desprovidas de qualquer qualidade mínima de dignidade, não suja suas mãos com o sangue do inimigo? O que torna a justiça mais justa e a vingança menos justa? Um pai que mata o assassino de sua filha está sendo vingativo, justo ou justiceiro? Qual é a medida que determina o que é ou não ser justo ? Quem determina?


A Lei de Talião, supracitada, era bastante difundida nas sociedades antigas e pode ser encontrada em sua forma legalizada na legislação mosaica e na babilônica, na Bíblia e no Código de Hamurabi respectivamente. Neste último, o caráter vingativo de determinadas punições é simplesmente indissociável da ideia de justiça. Em um de seus artigos, este que foi um dos primeiros exemplos de codificação legal na história, expõe que, se uma casa é construída e cai, matando o filho do homem que a encomendou, este tem o direito de ver morto o filho do construtor. Logo, o pai ao qual nos referimos, o “justiceiro”, teria agido dentro do que, há muitos anos, seria o justo, a justiça. Vê-se a atividade conjunta do Estado, na decretação da punição do acusado, mas a aura de vendeta é claramente perceptível.


Ou será mais justo colocar o assassino no cárcere, submetendo-o a condições deploráveis de vida, como péssimas condições de higiene, abusos por parte das autoridades e até mesmo de natureza sexual por parte de seus colegas de cela? É mais justo colocá-lo nesta máquina de criminosos em potencial em que há solo propício para uma maior marginalização do indivíduo? Ou será mais justo que o pai mate, com sua próprias mãos, o algoz de sua filha?


Como podemos perceber, é muito difícil chegar a uma conclusão definitiva sobre o que é justiça e o que é vingança, pois os dois conceitos se confundem, tomam concepções diversas dependendo do ponto de vista. É como se eles estivessem juntos, porém em lados diferentes, como uma moeda que possui duas faces. Após esta explanação, cabe a última indagação: O que faz a vingança não ser a justa medida para a aplicação da justiça?

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