quinta-feira, 22 de abril de 2010

O sentimento vingativo no Direito de Fam'ilia

É cediço que, no curso da evolução do Direito, a vingança foi sendo, gradualmente, substituída por um ideal de justiça mais racional, de forma que fosse alcançada uma maior imparcialidade nas decisões judiciais. Essa tendência de se abolir o sentimento vingativo da prestação jurisdicional pode ser, inclsive, observada no âmbito do direito da família.



Anteriormente à Constituição de 1988, a concepção de família era significativamente distinta da que hoje vigora em nossa sociedade. Tal instituição era essencialmente matrimonializada, patrimonializada, e hierarquizada. Logo, verificava-se uma forte preocupação do Estado com a preservação da entidade familiar, e principalmente com o único instituto capaz de gerá-la, qual seja o casamento. Nessa perspectiva, o interesse na manutenção da família sobrepunha-se ao interesse na individualidade de seus membros, ensejando um tratamento rigoroso para qualquer comportamento capaz de ameaçar a unidade familiar.Um dos mecanismos utilizados para tanto foi a inserção da idéia de culpa na separação litigiosa.



O cônjuge que descumprisse um dos deveres do casamento, deveria ser punido com sanções tanto patrimoniais, quanto pessoais. Buscava-se um culpado para o fim de uma relação que, possivelmente, fracassou por razões advindas de ambos os parceiros. Dessa forma, o sofrimento inevitável de um término, amparado pelo interesse estatal e religioso na manutenção da célula familiar, gerava efeitos com a clara feição de vingança. O que se alcançava com a punição pelo comportamento culposo era tão- somente, a compensação de um sofrimento por outro, e não uma decisão mais justa.



Posteriormente, as consequencias da culpa restringiram-se na impossibilidade do cônjuge culpado utilizar o sobrenome do cônjuge inocente, e de pleitear perante este direito a alimentos.



Com a vigência do novo Código Civil, os efeitos da culpa na separação foram amenizados, mas não extintos. A efetiva extinção é defendida por parte da doutrina que fundamenta-se no princípio da deterioração factual. Segundo essa teoria, a discussão da culpa na dissolução da sociedade conjugal não pode ser admitida, vez que fere o direito à intimidade, e à vida privada.

Para Walsir Edson Júnior Rodrigues, "o princípio da ruptura, ou da deterioração factual, funda-se portanto, na liberdade de escolha que deve existir não só na constituição e na manutenção, mas tambem na extinção da entidade familiar. Ninguém está autorizado a restringir ou a impor a existência ou pemanência de uma entidade familiar, muito menos o Estado, até porque, reconhecendo que o casamento estabelece uma comunhao plena de vida (art. 1.511), o Código Civil de 2002, de forma expressa, proibe a qualquer pessoa, de direito publico ou privado, nela interferir (art. 1.513)."



Não obstante tal teoria estar em voga, persiste na doutrina e, como já mencionado, no próprio Código Civil resquícios da legitimação do sentimento vingativo na separação conjugal. Verifica-se, contudo, que apesar da permanência da culpa no ordenamento jurídico, a tendencia é que sentimentos como esse, que ensejam o desejo por vingança, sejam progressivamente afastados da esfera jurídica, de modo a propiciar uma maior aproximação com a justiça.

Referência: ALMEIDA, Renata Barbosa; RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Direito Civil Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010, pag 273.

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