A VINGANÇA PRIVADA NO CONTEXTO SOCIAL BRASILEIRO
Desde os primórdios, discute-se o que é a justiça, o "ser justo" e o "socialmente justo". Fica evidente, desde cedo, que nem sempre o "ser justo" é proporcional e conforme descrito nos manuais jurídicos, podendo-se constatar que a justiça não deve ser tratada como algo absoluto.
Para alguns jusfilósofos, como o positivista Kelsen, a justiça é apenas mera utopia, "um bonito sonho da humanidade". Outros, como o jurisconsulto Ulpiano, afirmam que "a justiça é a constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu".
Apesar de vários estudiosos dedicarem-se sobre o que venha a ser a ideia de justiça, pode-se afirmar que a mesma faz parte do conteúdo do Direito e é através dele que se busca o justo. Entretanto, observa-se que na busca da justiça, o Direito se mostra insuficiente, tanto por questões de lentidão nas decisões judiciais, ou pelo fato das mesmas ser consideradas "socialmente injustas", como também pela criminalidade que a cada dia aumenta, e ainda pela influência da mídia que tende a mostrar sua impotência diante de determinados acontecimentos.
Diante disso, os indivíduos são envolvidos por um sentimento de medo, angústia e desproteção em relação ao considerado impotente Direito vigente, e por esta razão, a sociedade reage negativamente, rezando pela necessidade de punição para a solução no combate à criminalidade.
Neste prisma, fica evidente que o cenário em que vivemos ainda está impregnado pela fase primitiva, em que há a legitimação da vingança privada, pois ela continua sendo praticada, ainda que de forma camuflada. Isso fica perceptível quando a população se depara com crimes bárbaros, de grande repercussão, em que há um choque com os valores socialmente defendidos. Nestes casos, a sociedade se revolta e deixa ser tomada pelo sentimento da vingança. O que se espera é que o criminoso tenha uma pena bem elevada, o afastando da sociedade, ou até mesmo que o crime praticado por ele, seja pago na mesma moeda, ou seja, "olho por olho, dente por dente". Temos uma variedade de linchamentos a certos assassinos, estupradores sendo estuprados, abusos policiais, entre outros.
Um retrato destas punições ilegais e sua aprovação pelos brasileiros, foi tema do cientista político Alberto Carlos Almeida, em sua obra "A cabeça do brasileiro". Em seu quinto capítulo, denominado de "Cabeça do brasileiro e Lei de Talião", há resultados de sua pesquisa comprovando que as punições ilegais são legitimadas como solução ou recurso no combate aos crimes. A sociedade tende a apoiar a aplicação de penas que não são consideradas como legais no nosso ordenamento jurídico.
Assim diz Alberto: "ao contrário das punições previstas pela lei, sujeitas a uma justiça lenta e muitas vezes considerada ineficiente, as punições ilegais acabam sendo vistas como solução, ou pelo menos como um resurso quando se trata de combater o crime. As modalidades variam e uma enorme proporção de brasileiros concorda com elas: linchamentos, contratação de grupos de extermínio ou de pistoleiros, assassinato de bandidos que se entregam pacificamente, além do estupro para estupradores".
Em suma, nota-se que a população brasileira está impregnada de valores antigos que eram legítimos, mas que no atual contexto não podem ser admitidos, pois não podemos viver em uma sociedade arcaica. Muitos obstáculos foram enfrentados para a eleição da justiça legal, que hoje é o meio legítimo para a punição dos que cometem atos contrários ao ordenamento jurídico. Qualquer outro instrumento utilizado para a punição de um "anormal", deve ser considerado ilegítimo e encarado como desrespeito ao ser humano, que apesar de ter transgredido regras, ainda possui direitos que devem ser observados.
Aos operadores do Direito há a incumbência de mudar este cenário, contribuindo para a conscientização da população, no sentido de que, apesar da insuficiência da justiça legal, a vingança privada é ilegal e jamais será alcançada a justiça por meio desta.
Vania, gostei do que escreveu, mas é importante termos em mente que aceitação, por parte dos brasileiros, de meios punitivos estranhos aos oficiais está também relacionada à uma ausência histórica do Estado.
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