A trilogia trágica escrita no século V a.C., A Oréstia de Ésquilo foi apresentada em um contexto histórico no qual progressivamente a lei do talião foi sendo substituída pela democracia, a qual tendia à uma justiça deliberativa. Esta teria como referência uma lei comum, seria baseada em provas fatuais, em argumentos racionais e em votações. Esse período de transição da vingança (que destinava a restabelecer a reciprocidade dos atos, o equilíbrio da “balança”) para a justiça se deu juntamente com o enraizamento da ideia de responsabilidade individual, motivo pelo qual foi possível a consolidação da justiça.
Abarcando o contexto de transição do pré-direito (vingança) para o direito (justiça), a trilogia trágica de Ésquilo narra o processo de transição, as aporias da lei do talião e do processo de incutir a “nova”justiça humana, sob a égide do perdão e da deliberação. A justiça dos homens é metaforicamente representada pelo tribunal de Aerópago, fundado por Atena, que pôs fim a implacável determinismo da lei do talião.
Ao passo que a responsabilidade individual foi sendo concretizada naquela sociedade, o uso de palavras que remetiam ao transcendentalismo, foi sendo substituído por palavras dialógicas, as quais buscam convencer por meio do raciocínio lógico e de provas palpáveis. Esse processo se deu paulatinamente, podendo ainda ser perceptível alguns resquícios daqueles pensamentos “transcendentais” em Orestéia (principalmente na terceira peça, Eumênides), porém de maneira mais próxima à justiça. A manutenção de alguns ritos primitivos de justiça e de determinadas palavras sacramentais foi utilizada em proveito da própria justiça “moderna”. Como exemplo tem-se as Erinias, as quais defendiam um temor às leis.
Entrementes, apesar das diversas tentativas de se separar a vingança da justiça, grande parte dos conceitos de justiça é permeado pelo sentimento vingativo. Várias foram as obras literárias que, na tentativa de desvencilhar a vingança da justiça, a primeira acabou sendo retomada de forma a abarcar a última. Um exemplo claro é a novela Michaël Kohlhaas, escrita por Keist. Nesta tragédia, Kohlhaas possui uma necessidade avassaladora de justiça e, durante a sua árdua busca, se perde nos escombros da vingança. A dificuldade de desvencilhar a vingança do conceito de justiça ocorre vez que aquela é, constantemente, intitulada de poinè (pode ser comparada à pena moderna), que corresponde à compensação. Tal característica intitulada à vingança também foi elucidada por Aristóteles, para o qual a vingança é o “ato em troca”. Em A Oréstia, tal concepção também se faz presente, pois as Erínias buscavam assegurar a equivalência dos golpes. Durante grande parte da Oréstia, pode-se perceber o dualismo justiça e vingança. Posteriores obras foram dedicadas a esse dualismo presente na obra de Ésquilo, como por exemplo, a de seus sucessores, Sófocles, Eurípedes e, nas trilhas da violenta acusação à justiça de Eurípedes, Aristófanes, que escreveu a sátira As vespas.
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