sábado, 10 de abril de 2010

A vingança atrelada à justiça – a crítica de Nietzsche.

Nas trilhas de Tucíades, Nietzsche descreve que a justiça origina entre aqueles cuja a potência se assemelha. Desse modo, afirma o filósofo alemão, a justiça nasce almejando negociar as pretensões dos indivíduos. Como fruto dessa negociação, a cada uma das partes é dado o que almeja. Porém, além de se obter aquilo que mais estima, se recebe, em compensação, o que se deseja. Portanto, há um caráter retributivo e contraprestacional no conceito primário de justiça.
Esse tímido conceito do que seria a justiça foi sendo lapidado nas obras de Nietzsche, chegando ao seguinte resultado: a justiça é a vontade de impor valores. O conceito de justiça, portanto, não está ligado a um conformismo perante uma ação ou situação com base em critérios exteriores, mas a um juízo de uma prescrição soberana, e não meramente a uma ponderação de adequação. É de suma importância aqui ressaltar que, para Nietzsche, tanto o conceito de vingança, quanto o de justiça, devem ser trabalhados a partir de um contexto histórico e sociológico.
Faz-se necessário, para compreendermos o conceito de justiça em Nietzsche, conceituar a vingança, a qual é objeto de crítica pelo mesmo. Primeiramente, Nietzsche vai exemplificar a vingança com um contragolpe decisivo que se desfere automaticamente, a fim de por fim ao dano, promovendo a autoconservação. Assim, ao agir, a intenção primeira seria se salvar com corpo e vida e não revidar o dano. Quando se pratica um ato como conseqüência de um dano causado por outrem, demanda-se tempo, eis que envolve o ato de pensar, mais especificamente, de pensar como o adversário poderá ser atingido mais dolorosamente. É o que ocorre na segunda espécie de vingança. Esta consiste no ato de meditar acerca da vulnerabilidade do outro e de sua aptidão ao sofrimento. Afere-se, portanto, a vontade de se fazer o mal. Ao passo que a primeira espécie de vingança está relacionada à conservação, a segunda está liga à idéia de restauração. Restauração essa que pertence tão somente ao mundo das idéias do indivíduo que a almeja, vez que a única coisa que se pode restaurar seria a honra. Esta corresponde à ausência de medo do adversário. Ainda, o homem, membro da sociedade, anseia a vingança da sociedade contra aquele que não a honra. Destarte, a honra será restaurada por meio das penas. Mas não somente a honra como retribuição, mas também é almejada a autoconservação da própria sociedade, no sentido de desferir um contragolpe em legítima defesa.[1]
A presença dessa conjectura de vingança, como vingança social, permeia, ainda hoje, nas concepções de alguns importantes escritores. Como exemplo, pode-se citar um trecho do texto “Direitos Humanos e medo” de Marilena Chaui:
“Assim, na Oréstia de Sófocles, Atena e Apolo, convocados para discutir com Eríneas se Orestes deve ou não matar sua mãe Clitmenestra, consideram impossível decidir pelo herói como este deverá proceder e declaram: “Que os humanos julguem os humanos”, afirmação que vem legitimar o nascimento do direito e dos tribunais. No caso da modernidade, o que se afirma é que o medo recíproco entre os homens e os crimes que cometem uns contra os outros, carece de um fim e requer para isso uma instância, separada deles, 1a qual se possa conferir o direito de exercício da vingança como vingança social, que, para se realizar, depende da clara definição dos direitos e deveres dos homens enquanto indivíduos vivendo em sociedade, ou seja, dos direitos do homem enquanto homem e enquanto cidadão. A definição aqui é condição sine qua non para os homens, livrando-se do medo recíproco, não caiam nas garras de um medo ainda mais forte, isto é, o medo da arbitrariedade do poder”. (CHAUI, MARILENA. Direitos Humanos e medo. Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/humanismo/chaui.html.)
Entrementes, não se deve esquecer que o aprimoramento do conceito de justiça é fruto da refutação de Nietzsche ao positivismo subjacente à teoria penal e à Nationalökonomie de Eugen Dühring. Essa oposição está ligada à idéia de que, para o filósofo alemão, atrelar à vingança a explicação de fenômenos e instituições fundamentais do Direito corresponde a ignorar o papel criador de elementos ativos e afirmativos tanto na gênese como no desenvolvimento dos fenômenos fundamentais do campo jurídico, [2] vez que passível seria uma interpretação negativista do Direito, conjeturando uma ideologia dominante conformista e passiva.



[1] Nietzsche, Friedrich Wilhelm. Humano, demasiadamente humano: um livro para os espíritos livres. São Pulo: Companhia das Letras, 2000. 349 p.
[2] Junior, Oswaldo Giacoia in: Dicionário de Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 594

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