No último fim de semana assisti à um filme interessante, em que vingança e justiça são conceitos tão espantosamente parecidos que às vezes é difícil entender porque a sociedade que construímos os tornou tão impossíveis de associar. As regras que seguimos dizem que a retaliação é um crime tão brutal e passível de punição quanto aquele que a causou. Radicalizando um pouco o conceito, não importa o mal que nos é infringido, não cabe a nós devolvê-lo ou fazê-lo notar. A vingança é um sentimento tão profundamente arraigado nos instintos humanos que muitas vezes nossa soberana e ultimamente incompetente justiça, a mãe de todas as convenções, não parece o bastante para punir crimes tão hediondos. Talvez tenha sido esse sentimento de frustração que levou o cinema, representação artística maior das angústias do homem e tantas vezes válvula de escape para a falta de realização pessoal em uma sociedade guiada pelo bem maior, tenha escolhido tantos anti-heróis em busca de vingança para estrelar filmes cuja qualidade é capaz de variar do inesquecível ao dispensável. Há pouco tempo, por exemplo, o mestre Steven Spielberg retornou ao Oscar com um tomo de vingança das mais brutais, e houve quem dissesse que “Munique” era o legítimo dono da estatueta principal. Perto da visão impactante de alguém como Spielberg, “Busca Implacável”, do francês Luc Besson no brutal subgênero passa longe de ser uma obra-prima. Em seu roteiro, Besson trata a vingança como algo natural, numa ingenuidade que simplesmente não casa bem com o nome do homem que revolucionou o cinema de ação nos anos 90 com “O Profissional” e um par de outras pequenas obras-primas. Seu tratamento precisa de mais humanidade em meio a reações automáticas, irrealísticas e, nos piores momentos, vergonhosas. É triste ver um roteirista tão talentoso e marcante para toda uma geração de apreciadores de cinema chegar ao ponto de apelar para frases de efeito previsíveis, cenas absolutamente sem sentido e clichês a ponto de irritar o espectador. Há uma década ou mais atrás, o nome de Luc Besson nunca estaria na mesma frase que a expressão “repetição hollywoodiana”. Por incrível que pareça, não poderiam haver duas palavras melhores para definir “Busca Implacável”, um filme de ação europeu que erra ao deixar de lado as peculiaridades da produção do continente e apostar em uma fórmula tão americanizada que às vezes soa como um tour de luxo pelo lado sujo de Paris.
Nada contra o cinema de ação americano, é claro, celeiro de talentos e filmes simplesmente tensos demais para ignorar, mas boa parte da análise de um filme tem a ver com expectativas, e do jeito que está, no meio do caminho entre Europa e EUA, “Busca Implacável” é um filme que vai decepcionar dois lados de uma mesma equação. Aqueles que embarcarem esperando um filme de ação mais inteligente, sofisticado mas ainda assim intenso, com o ritmo característico do cinema europeu, provavelmente vai encontrar pouco o que apreciar e ainda menos do que analisar. Do outro lado da moeda, quem quer de divertir com a dieta blockbusteriana de sempre vai encontrar dificuldades para acompanhar a equivocadamente a ramificada trama e ainda sentir falta de um pouco mais de espetáculo nos momentos de adrenalina. É impossível negar que Besson ainda é um dos escritores de ação mais talentosos por aí. Em “Busca Implacável”, pelo menos nesse ponto, ele acerta em ir contra as convenções do gênero, preferindo a climatização que a destruição, mas lidando bem com ela quando se mostra necessária. Viajar com o filme nos momentos de perseguição ou quando a vingança finalmente chega as vias de fato é fácil, mas no restante do filme o roteiro engata uma série de tropeços, seja na construção estereotipada dos personagens ou na crueldade um tanto quanto repetina que surge em seu protagonista, quase doentia de tão determinada. Em alguns momentos mais desgovernados, o Bryan Mills em busca de vingança de Liam Neeson quase deixa de ser um anti-herói para se tornar um vilão, tamanho é o sadismo que Besson impõe forçadamente a seu jogo de gato e rato pelas ruas marginais de Paris. É lá que Kim e Amanda são seqüestradas por um grupo de albaneses traficantes de mulheres. O que eles não sabiam era que Kim é filha de Bryan Mills, um agente aposentado da CIA que impôs uma série de condições aparentemente paranóicas para permitir que a filha viajasse com a amiga. Por um acaso infeliz para os seqüestradores, pai e filha estavam falando no telefone a ocasião do acontecimento, e Bryan não heistará um segundo em usar todas as suas habilidades enterradas para recuperar a rebenta, de quem estava começando a se aproximar após a aposentadoria.
Logo no início, o roteiro deixa claro que Bryan não só não hesitará em matar os seqüestradores, como toma essa como sua primeira diretriz, já no primeiro contato através do celular da filha. “Eu não sei quem vocês são, mas se vocês não deixarem minha filha ir agora, eu vou procurá-los, eu vou persegui-los, eu vou achá-los e eu vou matá-los”. Chega a ser curioso nos primeiros minutos após esse esclarecimento o quão repentinamente o raciocínio do personagem ligou o crime a vingança, mas o tempo passa e nada mais de interessante ou intigante é apresentado, o filme fica jogado a própria sorte e preso a própria trama genérica e previsível. Chega a ser um pouco sem criatividade, movendo a câmera da forma óbvia, deixando de investir em seu elenco para apostar em takes mais amplos que tiram a força da brutalidade, elemento essencial de um filme como esse. Mesmo nas cenas de ação, impressionantes apenas no clímax e em uma explosiva perseguição. O elenco faz seu trabalho resignado, acorrentados pela própria falta de criatividade da trama. Enfim, o filme se resume a uma história de vingança que promete demais, cumpre de menos e cela a absoluta falta de criatividade de um homem tão criativo quanto Luc Besson.
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